O termo francês mise-en-scène, que significa «pôr em cena», pode ser traduzido em português por «encenação», como no livro O Cinema e a Encenação, de Jacques Aumont, onde o autor explica extensivamente a sua ambiguidade (Aumont: 2008, 12). Esta expressão surgiu no contexto teatral, para designar a atividade daquele que mais tarde se chamaria encenador (metteur en scène). Com o surgimento do cinema sonoro, haveria de transitar para o domínio do cinema, iniciando uma «longa querela interna à crítica de cinema» acerca do seu significado e das diferenças entre a arte teatral e a cinematográfica. (Aumont e Marie: 2009, 88)
Para David Bordwell e Kristin Thompson, «os estudiosos de cinema, estendendo o termo para direção cinematográfica, o utilizam para expressar o controle do diretor sobre o que aparece no quadro fílmico. Como seria o esperado, mise-en-scène inclui os aspetos do cinema que coincidem com a arte do teatro, cenário, iluminação, figurino e comportamento das personagens. No controle da mise-en-scène, o diretor encena o evento para a câmera» (Bordwell e Thompson: 2013, 205). Trata-se de uma definição muito próxima da sua origem teatral, que considera a mise-en-scène como uma «técnica» que gere «a disposição de pessoas, lugares e objetos a serem filmados» (ibidem, 32), referindo-se à encenação do espaço cénico.
Outras acepções mais complexas consideram a mise-en-scène como o conjunto de soluções que articulam as opções cénicas com as cinematográficas, ou seja, com o trabalho de câmara. Neste sentido, mise-en-scène define plenamente as opções de realização. Para Eisenstein, nos anos 30, «a encenação [mise-en-scène] é a disposição [mise-en-place] dos atores no cenário e a determinação dos seus movimentos; a colocação em quadro (mise-en-cadre) é a determinação dos enquadramentos sucessivos correspondentes», designando «a preocupação de composição (gráfica, plástica) dos planos». (Aumont e Marie: 2009, 60).
Contudo, «foi no contexto muito diferente do pós-guerra que se retomou a noção de mise-en-scène, para designar (...) já não o teatro nos filmes, mas o contrário: aquilo que no cinema escapa a qualquer referência artística própria, aquilo que pertence apenas a ele. (…) Talvez de forma abusiva, mas eficaz, a mise-en-scéne tornou-se (…) uma noção central da arte do filme», tendo passado para o vocabulário anglo-saxónico (Aumont e Marie: 2009, 89).
Na sua ambiguidade inerente, outras definições são possíveis. «Como disse o filósofo Maurice Merleau-Ponty, (...) a encenação, no fundo, é nada mais nada menos do que o manuseio espontâneo da linguagem cinematográfica» (Aumont: 2008, 63) «Para Mourlet, (...) a encenação no cinema não é uma técnica: graças à restrição benéfica do quadro, torna-se uma força (ou, noutras passagens do seu texto, uma energia). Tudo se passa como se o quadro, ao condicionar a encenação, ao clarificá-la, ao torná-la definitiva, se tornasse uma espécie de lente que foca a sua energia» (ibidem, 84). «Para Jean-Luc Godard, “encenar é um olhar, montar é um batimento de coração”: a metáfora “orgânica” de Godard define ainda uma conceção clássica do cinema: a do cinema americano, na versão canónica dada pelos Cahiers du Cinéma, como uma estética do cinema na qual se opunham a encenação e a montagem» (ibidem, 110).
Para os cineastas de hoje, o termo mise-en-scène «refere-se a uma cena cuja acção decorre em frente de uma câmara que filma continuamente. Novos enquadramentos são criados através das posições dos actores, da lente zoom ou dos movimentos de câmara, em vez do uso do corte em montagem. A cena é filmada em tempo real como uma tomada ininterrupta que mantém unidade sem ajuda da montagem» (Sijll: 2005, 54).
Resumindo: o conceito operativo de mise-en-scène corresponde à encenação em continuidade de uma cena fílmica, onde o processo de decisão sobre os sucessivos enquadramentos (incluindo posições dos atores, distâncias e ações) tira partido dos movimentos da câmara e das personagens, substituindo o método de montagem de vários planos (também designado découpage ou planificação).